Muitas coisas estão a acontecer muito rapidamente, em uma direção que ninguém no mundo, desejava ou esperava.
Em algum momento da vida, acada um de nós é visitado por eventos que causam dor e luto, mas ninguém desta geração conhece este contexto que agora vivemos, e pode não ser tão simples lidar com o que acontece debaixo da pele.
Quando acontece uma grande catástrofe, o luto facilmente é reconhecido e processado. Morando em Belo Horizonte, vi isto bem de perto nas pessoas, após a catástrofe de Brumadinho. Uma grande comoção e solidariedade com aqueles que perderam a vida de força tão assustadora, bem como com seus familiares. Havia um concenso nesta dor, todos concordavam que algi estava muito errado e as divergências eram poucas. Foi assim no 11 de setembro, foi assim no tsunami da Indonésia anos atrás.
Mas o que ocorre agora? Estamos nos aproximando dos 100.000 mortos no mundo, mais de 10.000 no Brasil e talvez quando você estiver lendo este texto, estes números já se tornaram bem maiores.
Diferente dos eventos citados antes, o que ocorre agora, chega por um elemento invisível e não trás o luto somente, mas a possibilidade rela de visitar as nossas casas, as pessoas do nosso círculo mais próximo.
Então as mais diferentes atitudes surgem para lidar com a questão e tristemente, ao invés de nos unirmos para lidar com o que ocorre, torna-se muito comum a agressividade, a negação surgirem como comportamentos possíveis para lidar com isto que se faz tão intenso.
A Harvard Business Review no final do mês de março, foi muito oportuna ao identificar o que estava a acontecer com indivíduos e coletividade é relaizou uma interessante entrevista com Kessler, um renomado especialista em estudos sobre o luto, a morte e o morrer, que trabalhou por anosm com Elizabeth Kubler Ross, uma das mais reconhecidas pesquisadoras sobre a morte. Veja algumas destas questões: (se quiser ver a reportagem na íntegra, basta clicar nos itens em destaque)
HBR: As pessoas estão sentindo muitas coisas agora. Está correto chamar algumas das coisas que elas estão sentindo de luto?
Kessler: Sim, e estamos sentindo vários lutos diferentes. Estamos sentindo que o mundo mudou, e ele mudou mesmo. Sabemos que é temporários, mas o sentimento não é esse, e sabemos que as coisas vão ser diferentes. Assim como ir ao aeroporto mudou para sempre depois do 11 de setembro, as coisas vão mudar e este é o ponto no qual estão mudando. A perda da normalidade; o medo do estrago econômico; a perda de conexão. Isto está batendo, e estamos em luto. Não estamos acostumados a este tipo de luto coletivo no ar.
Você disse que estamos sentindo mais de um tipo de luto?
Sim, estamos sentindo luto antecipado. Luto antecipado é esse sentimento que temos sobre o que o futuro reserva quando é incerto. Normalmente se centra na morte. Sentimos isso quando alguém tem um diagnóstico extremo, ou quando temos pensamentos normais sobre o ato de que vamos perder algum familiar próximos, ou nossos pais, em algum momento. Luto antecipado é também mais amplamente futuros imaginados. Se tem uma tempestade vindo. Se tem algo ruim “lá fora”. Com um vírus, este tipo de luto é muito confuso para as pessoas. Nossa mente primitiva sabe que algo ruim está acontecendo, mas não podemos ver isso. Isso rompe nosso senso de segurança. Estamos sentindo o medo da segurança. Eu acho que não tínhamos perdido coletivamente nosso senso geral de segurança como neste caso. Individualmente, ou em pequenos grupos, pessoas já sentiram isto. Mas todos juntos, é algo novo. Estamos em luto em nível micro e macro.
O quê podemos fazer para lidar com o luto?
Entender os estágios do luto é um começo. Mas em qualquer situação em que falo sobre os estágios do luto, eu lembro as pessoas de que os estágios não são lineares e podem não acontecer nessa ordem. Não é um mapa, mas nos permite uma plataforma para acessar este mundo desconhecido. Existe a negação, que dizemos que é um estágio que acontece mais no início: “este vírus não vai nos afetar”. Existe a raiva: “vocês estão nos fazendo ficar em casa e tirando minhas atividades”. Existe a barganha: “ok, se estabelecemos o distanciamento social por duas semanas, tudo vai melhorar, né?”. Existe a tristeza: “eu não sei quando isto vai terminar”. E finalmente a aceitação: “isto está acontecendo; eu descobri como lidar com isso.”
Veja o vídeo bem interessante sobre as fases da morte, que fazem parte da pesquisa de Kubler Ross, que Kesller cita.
A aceitação, como você pode imaginar, é onde está nosso poder. Encontramos algum controle na aceitação. “Eu posso lavar minhas mãos. Eu posso manter uma distância segura. Eu posso aprender a trabalhar virtualmente.”
Quando estamos sentindo luto, existe uma dor física. E a mente acelerada. Existem técnicas para lidar com isso e fazer com que seja menos intenso?
Vamos voltar para o luto antecipado. Luto antecipado não-saudável é realmente ansiedade, e esse é o sentimento sobre o qual você está falando. Nossa mente começa a nos mostrar imagens. Meus pais ficando doentes. A gente vê os piores cenários. Essa é nossa mente sendo protetiva. Nosso objetivo é não ignorar essas imagens ou tentar fazê-las ir embora — sua mente não vai deixar você fazer isso e pode ser doloroso forças isso. O objetivo é encontrar o equilíbrio nas coisas que você está pensando. Se você sente que a pior imagem está tomando forma, faça com que pense também na melhor imagem. Todos nós ficamos doentes e o mundo continua. Nem todo mundo que eu amo morre. Talvez ninguém morra, porque estamos todos fazendo os passos certos. Nenhum cenário deve ser ignorado, mas nenhum deve dominar também.
Luto antecipado é a mente indo para o futuro e imaginando o pior. Para se acalmar, você quer voltar para o presente. Isto vai ser um conselho familiar para qualquer pessoa que já meditou ou praticou mindfulness, mas as pessoas podem sempre se surpreender com o quão prosaico esse movimento pode ser. Você pode nomear cinco coisas que estão na sala onde você está. Existe um computador, uma cadeira, uma foto de um cachorro, um tapete velho e uma xícara de café. É simples assim. Respire. Perceba que no momento presente, nada do que você tinha antecipado aconteceu. Neste momento, você está bem. Você tem comida. Você não está doente. Use seus sentidos e pense sobre o que eles sentem. A mesa é dura. O cobertor é macio. Eu consigo sentir o ar com meu nariz. Isto realmente funciona para diminuir um pouco a dor.”
Como psicóloga e provedora de conteúdos da Florescer, estamos a oferecer nestes dias alguns recursos capazes de auciliar as pessoas a lidarem um esta dimensão da perda, da ansiedade e do medo, pois entendo que o mundo no processo de educação não oferece às pessoas a possibilidade de desenvolver habilidades fundamentais para lidar com estes tempos tão incertos.
Joelma Silva (psicóloga) ou Dev, como é chamada nos grupos de desenvolvimento feminino
Você também pode pensar sobre como abrir mão do que você não tem controle. O que seu vizinho está fazendo está fora do seu controle. O que está no seu controle é ficar a um metro de distância deles, e lavar suas mãos. Foque nisso.
Finalmente, é um bom momento para estocar compaixão. Todo mundo vai ter níveis diferentes de medo e luto e isso se manifesta de diferentes jeitos. Uma pessoa com quem trabalho ficou muito rude comigo outro dia e eu pensei: “isso não parece esta pessoa; isso é como a pessoa está lidando com esta situação. Estou vendo seu medo e ansiedade”. Então seja paciente. Pensar sobre quem geralmente a pessoa é, e não quem ela parece ser neste momento.
Um aspecto particularmente perturbador nesta pandemia é essa finalização em aberto, não saber quando acaba.
Isto é um estado temporário. Ajuda falar isso. Eu trabalhei 10 anos no sistema hospitalar. Eu fui treinado para situações como esta. Eu também estudei a pandemia da gripe de 1918; As precauções que estamos tomando são as certas. A história nos conta isso. Isto se chama sobrevivência. Vamos sobreviver. Este é um tempo de se super-proteger, mas não se super-reagir.
E acredito que vamos encontrar sentido nisto. Eu fiquei honrado que a família de Elisabeth Kluber-Ross me deu permissão para acrescentar um sexto estado ao luto: significado. Eu tinha falado com Elisabeth um pouco sobre o que viria depois da aceitação. Eu não queria parar na aceitação quando eu experienciava o luto pessoal. Eu queria significado naquelas horas mais difíceis. Mesmo agora, as pessoas estão percebendo que elas podem se conectar através da tecnologia. Elas não estão tão distantes quanto elas imaginavam. Elas estão percebendo que elas podem usar seus telefones para conversas longas. Elas estão apreciando caminhadas. Eu acredito que vamos continuar encontrando significado agora e quando isso tiver acabado.
O que falamos para alguém que lê tudo isto e ainda assim se sente sobrecarregado com o luto?
Continue tentando. Existe algo poderoso sobre nomear isto como luto. Isso nos ajuda a sentir o que está dentro de nós. Tantas pessoas me disseram na última semana: “estou dizendo para meus colegas de trabalho que estou tendo dificuldades” ou “eu chorei na noite passada”. Quando você nomeia, você sente e isso se move através de você. Emoções precisam de movimento. É importante que reconheçamos o que estamos passando. Um produto infeliz do movimento de auto-ajuda é que somos uma primeira geração que tem emoções sobre suas emoções. Falamos para nós mesmos: “estou me sentindo triste, mas não deveria sentir isso; outras pessoas se sentem pior”. Nós podemos — devemos — parar no primeiro sentimento. “Eu me sinto triste. Vou me deixar sentir triste, por cinco minutos pelo mnos”. Seu trabalho nesse momento é sentir sua tristeza, e/ou medo, e/ou raiva, independente de se mais alguém esteja sentindo algo. Lutar contra isso não ajuda porque seu corpo está produzindo o sentimento. Se a gente permite que os sentimentos aconteçam, eles vão acontecer de uma maneira ordenada, e nos empoderar. Então não somos vítimas.
Numa maneira ordenada?
Sim. às vezes tentamos não sentir o que estamos sentindo porque temos essa imagem de um “bando de emoções”. Se eu me sentir triste e deixar isso dentro, nunca vai ir embora. O bando de emoções ruins vai me perseguir. A verdade é que uma emoção se move através de nós. Não existe um bando externo que vai nos pegar. É absurdo pensar que não deveríamos sentir luto agora. Permita-se sentir o luto e siga adiante.
Texto organizado por Equipe Florescer.
Matéria da HBR